O filho havia casado e mudou-se para a cidade com a mulher. Os velhos permaneceram no sítio porque ali já criaram raízes. A água era o maior problema. Não que não houvesse. Mas a distância. Eram quase quinhentos metros entre a casa e o arroio. Antes o rapaz, um gringo de quase dois metros, abastecia os reservatórios de água, porém agora seriam apenas os dois velhos a viver na casa.
Então resolveram construir um poço, que acabaria com todos os transtornos. Contrataram um poceiro. Negro forte, de ventas largas. Nunca reclamava de serviço algum; comia pouco.
O homem começou o serviço. Cavava como quem come um sorvete. O buraco ia se formando bem parelho, circular e cada vez mais profundo.
O tempo foi passando. Dia após dia.
Num desses dias, o casal de velhos morre. E tudo ficou abandonado. O mato tomou conta do que era um lindo jardim. O filho nunca mais viera ao sítio.
Entretanto, por insistência da mulher, voltou com a família, abandonando a vida da cidade.
Tinha uma menina de quatro anos já feitos. Sapeca. Curiosa.
A criança saltava como perereca pela grama alta do pátio. E o poço de boca aberta estava como que a espera de uma vítima. Não deu outra! A menina caiu.
Todos correram em socorro. O pai não sabia o que fazer. A mãe queria jogar-se atrás. Os homens que ajudavam na mudança trouxeram uma corda. Trouxeram outra corda. Mais outra e outra mais. Amarravam uma na outra e nada. Não chegava ao fundo do poço.
Lá dentro a escuridão e um silêncio.
De repente, perceberam a corda puxar. Mãos ágeis lutavam com muita força. Havia um peso na corda que a cada instante ficava mais pesado. Tiraram o negro de dentro do poço.
O poceiro estava ali. De pé na borda do poço.
Tomado pelo espanto, o pai da menina pergunta:
- Água não lhe faltaria, mas já fazem muitos anos; como se alimentava?
Respondeu o negro com os olhos esbugalhados:
- Comia tudo que cai no poço!
(Osvaldo C. de S. Andrade)