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Por um desejo real

Descrição e narração!

A narração constitui o relato de uma progressão de fatos dispostos em sequência temporal. Os aspectos da realidade captados acontecem ao mesmo tempo em a trama vai desenrolando. Ao descrever as personagens, são selecionados alguns aspectos suficientes para sugerir uma impressão básica dessas personagens. Além disso, descreve o ambiente. A descrição é o retrato dos acontecimentos físicos ou psicologicamente. A finalidade de descrever é produzir, na imaginação de quem lê, uma impressão equivalente à imagem sensível da ação retratada. Em outras palavras, é fazer ver, em termos de reconstituição mental, o que se retrata com a linguagem.

Neste conto, o narrador cria uma estrutura ambiental para uma revelação final.


Por um desejo real


Esta é uma história que aconteceu num reino muito distante de nós, tão distante que se perdeu no tempo e no espaço. Entretanto, o que se deu nessa época é conhecido e apreciado até os nosso dias. Ninguém, hoje, sabe onde tudo começou.

- Estou enjoado... não suporto mais de tanto comer bolos e tortas.

- Majestade, esta torta de morangos é especial: as frutas foram cultivadas em terra fofa; eram lavadas diariamente; foram colhidas em lua boa...

- Chega! Eu não aguento mais comer tortas e mais tortas, do amanhecer ao dormir. Assim desde quando era criança. Um reizinho indefeso...

- Sinto muito, majestade!

- Sente muito... Eu é que não suporto mais e você é que sente muito. Pense em alguma coisa, afinal você é o Primeiro Ministro; é para isso que eu sustento você! Pense.

O Primeiro Ministro recolheu-se aos seus aposentos e de lá só sairia com a solução. Passaram-se três longos dias, de meditações e equações matemáticas; até que veio a genial ideia.

Ninguém em tão curto tempo teve uma ideia fantástica. Por isso apressou-se e mandou marcar uma reunião com os conselheiros e administradores do reino. Uma reunião extraordinária.

Todos reunidos na sala do falatório - de um lado a bancada do partido real, de outro o partido do rei - esperavam o resultado, que deveria ser declarado pelo próprio ministro.

- Excelência, Ministros, Senadores, Senhores da Corte! É com imenso prazer que eu vos convoquei aqui. Tenho a solução para atender ao pedido real.

- Fale logo meu ministro. Estou com azia!

- Devemos procurar no reino um padeiro que faça o pão de Sua Majestade.

O silêncio se fez nas galerias e no falatório. Uma mortal mudez se fez no plenário, podendo-se ouvir apenas som das moscas.

- Esplêndida ideia! Disse o rei.

Os cortesãos vibraram. Nas mesas e nas galerias, aplausos para o ministro. Uma festa.

Por ordem da Real Majestade é baixado um decreto que diz o seguinte: "Fica convocado todo padeiro do reino para apresentar-se no castelo, afim de cumprir desejo real - o padeiro que não se apresentar será decapitado. Este decreto-lei firma um prazo de até duas noites".

Os soldados em cavalaria saíam às ruas tornando público o decreto-real. Nas praças e nas portas das padarias, era lido em voz alta.

- Por ordem da Real Majestade...

Os padeiros que iam chegando no castelo, eram recebidos e encaminhados à cozinha. Pão de todos os formatos, tamanhos, cores, sabores... Contudo, nada agradava ao gosto real. O prazo ia se esgotando e os padeiros acabavam.

Entretanto, havia uma padaria cujo padeiro não se apresentara. Estava doente e não poderia sair da cama. Caxumba.

Mas, seu ajudante oferecia-se para ir em seu lugar:

- Não se preocupe patrão, deixe tudo por minha conta.

- Você não pode ir, nem é padeiro!

- Eu moro na sua casa a muito tempo, como da sua comida, bebo da sua bebida; sou tratado como um filho. Não seria justo deixá-lo morrer sem a cabeça.

Assim, foi-se apresentar em lugar do amo. Estaria ele lá, para salvar a família de grande desgraça.

No castelo. Todos os padeiros seriam decapitados porque desagradaram ao rei.

Outro decreto real:

"Por expor o rei ao ridículo e ao dessabor de prova alimentar de mal gosto, fica declarada a execução de todos os padeiros ao amanhecer".

O Primeiro Ministro desolado, socado numa estufada cadeira, pensava em colocar o seu cargo à disposição. Quando vêm os guardas acompanhando o ajudante de padeiro.

- Queria falar com Vossa Alteza. Parece ser o último padeiro do reino.

O ministro largando da sua melancolia, comeu-o em olhares de cima a baixo, de baixo acima (a distância era curta). Derramou-lhe na cara uma gargalhada, que pôde ser ouvida pelos frios corredores do castelo.

- Você! Um fedelho. Ora, vá para casa brincar de amarelinhas.

- Eu vim em nome do meu padrinho. Ele não pode atender ao chamado do rei.

- Mas como ousa a não atender ao chamado real?

- Ele está doente.

- Que doença?

- Caxumba.

- Ele que apresente uma recomendação médica até a noite.

- Mas já é noite, Senhor!

- Então ele perderá a cabeça a manhã cedo.

- Mas eu vim em seu lugar. Sou ajudante de padeiro.

- Ora, um nanico não pode ser ajudante de droga nenhuma. Tirem-no daqui.

Porém, antes de levá-lo, o capitão da guarda real falou em cochichos, que esta poderia ser a última oportunidade para salvar o cargo.

- Pois bem! Embora seja um rapazola e não um padeiro do reino, vamos aceitar.

O Primeiro Ministro ordenou que o enviassem para a cozinha real.

Na cozinha - grande como qualquer cozinha de castelo - entregaram-lhe tudo que precisava e o deixaram só.

- Meu Deus! Como faço um pão? Deixe-me ver: sete ovos de galinha, oito colheres de açúcar, nove colheres de farinha de trigo peneirado.

Os ingredientes que escolhera ali estavam. Porém, o que fazer? Partiu os ovos e separou as claras das gemas. Bateu as claras em neve e juntou o açúcar. Continuou a bater e por último, sem saber o que fazer com as gemas, pôs junto e seguiu batendo até ficar bem grossa.

- Êh! Esqueci da farinha.

Juntou, então, aos poucos o trigo, misturando sem bater, porque já estava cansado. Pronta uma massa, que deveria ir ao fogo.

Untou uma forma com manteiga e polvilhou com trigo, meteu-a no quente forno do fogão real.

Não sabendo nem fazer pão nem fazer bolo, fez alguma coisa entre um e outro. Pois, o rei que passou a vida inteira comendo bolos e tortas não poderia mesmo gostar de pão.

Foi solicitado na sala de provas na manhã seguinte. Lá estavam, todos a sua espera. Levou o que tinha.

O rei, então, mordeu um pedaço daquele pão. O silêncio se fez insuportável. Enquanto a majestade movia os lábios e enrolava a língua dentro da boca, ninguém se quer respirava.

- MA-RA-VI-LHO-SO!

A corte vibrou com o veredicto real. Nas ruas, nas praças, nas portas das padarias, em todos os lugares comentaram a aprovação do rei.

O Primeiro Ministro, vendo que o pão-bolo satisfez o desejo do senhor do reino, propôs que o rapaz fosse nomeado, ali mesmo, padeiro da corte.

- Eu que sou a Lei Maior do Conselho Real proclamo... Como se chama?

- Ló.

- Proclamo: padeiro Ló.

Como cortesia a pedido de Ló, foram libertos os padeiros. E desde então, aquele pão-bolo passou a ser conhecido no mundo inteiro com o nome de Pão-de-ló.

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Um conto há mais

Osvaldo C. de S. Andrade