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Grandes Guerreiros

O foco narrativo!

A escolha do foco narrativo é determinado pelo tipo de problema que o narrador pretende apresentar. Evidenciar situações assumidas por uma personagem e se distanciar delas - para isso emprega a 3ª pessoa gramatical, ou ressaltar sentimentos profundos e envolvendo fortemente o leitor - emprega gramaticalmente a 1ª pessoa. No conto Os grandes guerreiros, o foco acontece em terceira pessoa para transparecer uma história ocorrida verdadeiramente. Que é desenhada através de sutil fantasia, para provocar o leitor a um raciocínio de fato social. Outro recurso utilizado é o vocabulário adequado ao meio, que reforça o ambiente e camufla a intenção do autor - denunciar o tal fato social.


Grandes guerreiros


Numa tribo indígena havia um curandeiro muito famoso que curava todas as dores de barriga, de dente, de cabeça, de perna e qualquer outra que pudesse existir.

Todos os índios, índias e indiozinhos o admiravam muito, ou o respeitavam muito, ou o temiam muito, ou... ou simplesmente tinham medo de dores.

Aconteceu nesta tribo um fato interessante certo dia.

Um curumim apareceu chorando desesperadamente na oca dos homens. Batia fortemente com os pés no chão como se estivesse chamando por atenção. A terra-batida fazia ecos ritmados. E ele aos gritos, agonizava um choro estranho, que mais parecia uma ariranha no cio. Os homens se olhavam sem compreender o que se passava - era a primeira vez que uma criança chorava, pelo menos daquele jeito.

Depois de muitas lágrimas e sapateadas naquela terra preta e gelada, o pequeno, ainda em soluços, murmurou para toda a tribo, que já o rodeava, curiosos, ter queimado os pés. Disse que estava ele distraidamente a brincar próximo do fogo coletivo, e sentiu-se atraído a pular a fogueira. Quando tentou o primeiro pulo, sapecou os pés nas brasas incandescentes.

O alarme foi geral na turma toda. As mulheres o arrancaram pelas mãos e levaram rapidamente ao Grande-feiticeiro. Sabiam que ele possuía o remédio mágico para acabar com aquela choradeira.

O mágico medicou várias poções e cobrou dos pais da criança o de costume: quase tudo que eles possuíam.

O Pequeno Guerreiro - como era chamado - foi levado nos braços até a rede para repousar. Mas o choro não passava.

Vendo o desespero dos pais e o sofrimento da criança, um velho sábio - índio conhecedor de muitos ensinamentos tribais - sentou-se a rede com o pequeno. Pegou-lhe as mãos; embalava a rede com uma das pernas, e contou histórias de antigamente.

Pronto. Minutos passados e o curumim nem mais lembrava da dor.

A tribo sentiu-se aliviada, e todos voltaram aos seus afazeres diários. Afinal a normalidade havia tornado a comunidade.

O Velho Sábio voltava para sua caverna nas montanhas próximas sem ao menos um muito-obrigado dos índios. Quando, encontrou um outro pequeno que vinha chorando com dor de dedo.

Uma dessas índias gordas - daquelas que sempre agarram crianças que choram - apanhou o indiozinho como quem pega um vaso quebrado. Gritando para a aldeia inteira ouvir:

- Alguém leve o pequeno índio ao Grande-feiticeiro para passar a dor de dedo, porque não tenho mais o que dar de presente ao médico, pois fiz com ele um tratamento para gordura.

Ninguém se aproximava. Era um desses indiozinhos sem muita importância.

O Velho Sábio, no entanto, disse-lhe que deixasse o curumim com ele. A índia pôs o pequeno no chão, um tanto apreensiva. Afinal quem cura e sempre curou dores de tudo, até de dedo, é o Grande-feiticeiro e não um homem que ensina coisas tribais.

O velho homem sentou-se numa pedra redonda e pôs o pequeno numa de suas pernas. Segurou-lhe o dedinho ferido e contou uma história bem engraçada sobre um dedo bisbilhoteiro.

Instantes, e o indiozinho dava gargalhadas.

Nesta conversa de índios, o pequeno perguntou por que todos dão tudo que possuem para o Grande-feiticeiro. E ele que conhece as palavras e as histórias de todos os índios das matas não ganha nem um tacape.

O Velho Sábio sorriu e disse:

- O Grande-feiticeiro cura as dores de barriga e os índios têm medo de dores. Eu ensino os pequenos a serem grandes guerreiros! Mas que índio liga para ensinamentos? Já são todos grandes guerreiros.

Sempre há um conto a mais!

Um conto há mais

Osvaldo C. de S. Andrade