Sempre há um conto a mais!
O cadáver de Josias deitado com flores expressava a tranquilidade de uma boa alma. O pobre homem que descobrira toda verdade estava morto - uma força de grandes conhecimentos, estudos e dedicação. O mel da vida agora seria servido.
Nas suas notas dizia: "Deus é maior do que qualquer compreensão humana, mas nós pastores estamos arrebanhando espíritos para alimentar o mal que paira sobre a terra. Não se deve prosseguir alimentando este mal. Deve-se deixar o amor brotar da natureza das coisas como as águas do mar tornam aos rios - não precisamos bombear as vertentes, pois o próprio mar se encarrega disso".
O corpo do meu amigo descia para a terra e sua alma estava desfeita. Choro muito porque o amo. Nada pude fazer.
- Preciso tirar daqui estas notas, isto é mais importante agora. O mundo tem que acordar, antes do câncer comê-lo todo.
No quarto, antes de dormir, leio novamente suas notas. As pessoas não sabem por que existe tanta maldade: o mal se mantém como eterno; mas deve ser superado para que não volte o Caos.
Depois de uma semana do enterro de Josias, as dores de cabeça voltaram. Os desmaios ficaram mais constantes. Também pudera, quase não me alimento! Isto os deixa preocupados, eu sei. Eles querem-me saudável.
Levado, fui para a enfermaria. Entretanto já havia escondido as anotações de Josias. Assim fiquei mais tranquilo. Poderia ficar quantos dias quisessem. E fiquei, vários.
Recebi uns bolinhos, de familiar sabor, na hora do café. Mais tarde Dona Eunice vem visitar-me na enfermaria. Beija-me as mãos. Choramos juntos. Fala da nossa comunidade. Traz lembranças. Faz muito tempo que não recebo seus cuidados; acha-me desfigurado.
- Vamos dar uma volta no jardim e olhar este sol maravilhoso.
Concordo com ela.
Antes de sairmos, passo no quarto para apanhar o livro. Estava ele exatamente como o deixei.
A entrega dele para Dona Eunice me pareceu a melhor ideia, pois ela poderia sair daqui sem ninguém perceber e revelar ao mundo toda verdade.
No jardim, longe de todos, conversamos. Falei-lhe sobre Joias. Das minhas pesquisas. Contei que encontrei a chave de tudo através das anotações de Josias. Pedi-lhe que fizesse a vontade de Josias. Que revelasse ao mundo a descoberta.
Ela não queria concordar comigo; talvez não quisesse acreditar no que eu estava dizendo ou tinha medo disto.
- "Todo corpo se desfaz como qualquer ser do universo, dentro do curso natural da matéria; porém, com as palavras mágicas do pastor, a alma eterna que a criação do infinito soprou no ser humano serve de alimento para a mais negativa energia que habita este mundo. Desta forma o Mal é mantido com vida e paira sobre a Terra. Os que tiverem olhos que vejam as coisas como são e se afastem do mal. Os que só têm ouvidos - é neles que tudo existe". Palavras de Josias.
- Por favor, Dona Eunice! A senhora é a única pessoa que pode ajudar a todos. Eu não sei quando, e nem se algum dia, sairei daqui. Aceite esta incumbência. Não é só por mim, é por toda humanidade. Aceite.
Depois de muitas súplicas, pareceu-me compreender a importância desta missão. Concordou comigo. Entreguei-lhe a bíblia de Josias.
O homem que sempre me seguia estava ao longe nos observando. Dona Eunice vira as folhas do livro, surpresa.
Disse-me ela:
- Mas... O que tem aqui? É uma bíblia como qualquer outra.
- Como?! Não tem nada escrito?
- Não.
Olho para o homem que sorri. Tudo começa a girar. Uma dor de cabeça muito forte atira com o meu corpo no chão.
Acredito que muito tempo passou. Observo hoje que minhas mãos estão trêmulas e meu corpo mais velho. Escrevi estas palavras e as lanço por sobre o muro que separa esta casa do mundo lá fora.