Um Conto
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Sempre há um conto a mais!


O poceiro

Estrutura da narrativa

Inicialmente o autor apresenta as personagens. Localiza-as no tempo e no espaço. Neste momento o relacionamento entre elas está normal, não há conflito. Em seguida, surge um conflito entre as personagens, gerando uma quebra da normalidade, que vai se sucedendo em sequências de fatos. Finalmente, o conflito criado entre as personagens chega ao seu fim. Esse desfecho pode ser feliz se elas conseguem voltar a assumir a posição inicial ou trágico se não conseguem vencer a complicação.


O poceiro


O filho havia casado e mudou-se para a cidade com a mulher. Os velhos permaneceram no sítio porque ali já criaram raízes.

A água era o maior problema. Não que não houvesse. Mas a distância. Eram quase quinhentos metros entre a casa e o arroio. Antes o rapaz, um gringo de quase dois metros, abastecia os reservatórios de água, porém agora seriam apenas os dois velhos a viver na casa.

Então resolveram construir um poço, que acabaria com todos os transtornos. Contrataram um poceiro. Negro forte, de ventas largas. Nunca reclamava de serviço algum; comia pouco.

O homem começou o serviço. Cavava como quem come um sorvete. O buraco ia se formando bem parelho, circular e cada vez mais profundo.

O tempo foi passando. Dia após dia.

Num desses dias, o casal de velhos morre. E tudo ficou abandonado. O mato tomou conta do que era um lindo jardim. O filho nunca mais viera ao sítio.

Entretanto, por insistência da mulher, voltou com a família, abandonando a vida da cidade.

Tinha uma menina de quatro anos já feitos. Sapeca. Curiosa.

A criança saltava como perereca pela grama alta do pátio. E o poço de boca aberta estava como que a espera de uma vítima. Não deu outra! A menina caiu.

Todos correram em socorro. O pai não sabia o que fazer. A mãe queria jogar-se atrás. Os homens que ajudavam na mudança trouxeram uma corda. Trouxeram outra corda. Mais outra e outra mais. Amarravam uma na outra e nada. Não chegava ao fundo do poço.

Lá dentro a escuridão e um silêncio.

De repente, perceberam a corda puxar. Mãos ágeis lutavam com muita força. Havia um peso na corda que a cada instante ficava mais pesado. Tiraram o negro de dentro do poço.

O poceiro estava ali. De pé na borda do poço.

Tomado pelo espanto, o pai da menina pergunta:

- Água não lhe faltaria, mas já fazem muitos anos; como se alimentava?

Respondeu o negro com os olhos esbugalhados:

- Comia tudo que cai no poço!

Sempre há um conto a mais!

Um conto há mais

Osvaldo C. de S. Andrade