Um Conto
Há mais

Sempre há um conto a mais!


Semente

Reflexão!

Uma das possibilidades de realizar um mergulho interior é o monólogo, que constitui, fundamentalmente, o registro das divagações internas. Semente é isso! Algo interior que brota, mesclando a fantasia e a realidade, mas que possibilita essa exegese.


Semente


Vim ao chão como uma semente. E, ali meio a terra fria e úmida, senti-me rolar vagarosamente de um lado para o outro ao sabor dos ventos. Podia ouvir o raspar das folhas secas, sentir o pó me envolver, a água a me banhar.

Olhei para cima e vi uma enorme figueira: potentada copa verde que o vento embalava, varrendo as nuvens! O tronco tão grosso que não imagino o tamanho; as raízes musculosas agarravam o chão com furor, como se tivesse fome daquela terra. Então voltando meu olhar ao redor, percebia várias sementes já brotando.

Das sementes, esticavam-se pequenas raízes que iam lentamente perfurando a terra, ladeando as pedras e afastando os menores grãos. Espreguiçavam-se folhinhas miúdas em direção ao sol.

Presente nessa silenciosa folia, pensei ser eu também uma semente da figueira. Donde tantas desceram do mesmo modo que desci (tombando). Questionei-me por horas minhas "ser ou não! Semente ou o quê"?

Tentei, e como tentei fazer igual as outras: abrir a casca, ir enfiando as minhas raízes na terra. Tal terra parecia-me fértil, negra, perfumada e enchia-se de calor quando o sol por ali passava. Contudo, o esforço feito seria mais do que suficiente para romper a casca; mas nada conseguia: nem raiz, nem folha.

Vi, também, outras plantas crescerem por ali, mas eu... tanto esforço... e nada.

Num certo dia – pelo acaso – notei minha casca estalar. Forcei-a, embora sem muita esperança, porém, forcei-a para abrir. Então abriu-se. Eu tinha um corpo, nem raízes, nem folhas; era um corpo com fina e bela penugem. O céu também tentava-me, entretanto não me bastava vê-lo, tinha de tocá-lo.

A força feita para tocá-lo havia tirado meus pés do chão. De repente estava lá, bem no alto; tudo era diferente, muito mais bonito do imaginado. Junto daquela incomparável paz permaneci por horas. Quando cansei as asas, voltei à figueira.

Sei agora, não sou uma semente que caiu da figueira como tantas outras do chão. Eu hoje sou mais do que uma figueira, sou um pássaro e posso voar.

Sempre há um conto a mais!

Um conto há mais

Osvaldo C. de S. Andrade