Sempre há um conto a mais!
As três mulheres sentadas à mesa num final de refeição, quando o pai embevecido pelo álcool entra - uma cena típica de todo final de semana.
- No princípio, Deus fez o homem e tudo era bom e belo. O homem cresceu e sentiu necessidade. Por necessidade tornou-se agressivo. E teve raiva. E teve ciúme. E por ciúme matou. O homem é o mais cruel dos animais. Por quê?
Correu o olhar morto de álcool entre as pessoas da mesa, procurando uma resposta que ninguém dá.
- A necessidade de alimentar-se, a necessidade de reprodução, a necessidade de sobrevivência. Isso todo animal tem. Mas o homem tem mais; a de encontrar um lugar que privilegie a sua existência neste mundo selvagem. O ciúme, a vaidade, o sexo e o poder são apenas armas para a conquista desse lugar.
Um gole de água fria de um copo sobre a mesa inspira a conclusão.
- O rio segue sempre o seu curso, o sol todos os dias continua brilhando e a chuva ainda cai das nuvens, isso não muda. É sempre assim.
Todas permaneciam caladas diante do filósofo trazido das garrafas. Entretanto a filha experimentou um argumento:
- O senhor deveria dominar-se e não beber mais, papai!
Um olhar de complacência ou resignação foi a única coisa que expressou. Nesse entremeio a avó serve um café.
- Ah! Uma refeição digna de um rei, acompanhada por um cafezinho feito na hora, faz qualquer mortal sentir-se divino.
- Toma este café e vai te deitar. (Diz a velha) Depois de um bom sono tudo melhora.
- Onde é que está o meu Augusto?
- Ele foi acampar. Já esqueceu?
- Oh! É verdade. Então o meu garanhão está fora de casa.
- É papai, vai deitar um pouco.
- Não, sem antes pedir desculpas a minha querida irmã.
Os olhos tontearam para o lado da tia, que não existia mais dentro do corpo.
- Desculpa minha maninha. Aqui de joelhos eu confesso. Esqueci completamente de buscá-la na igreja. A necessidade... a necessidade de estar com meus amigos... a necessidade é a culpada disso. A necessidade é que dirige toda vida...
O silêncio penetra até nos metais sobre a mesa. Em cada um consome a sua mudez num desprazer mortal. Os olhos perdem a vida por instante. E o tempo escorre.
- Não adianta Celeste, tu bem sabe. Não adianta, agora, discutir com ele porque te fez esperar em vão.
- É sempre assim mamãe, ele trata comigo alguma coisa, depois toma uma bebedeira...
- Tu conheces bem o teu irmão.
- O papai não é um bêbedo... de fazer bagunça. Só fica assim...
- Esse foi o motivo da tua mãe se desgostar da vida. Uma mulher frágil como era não podia aguentar isso.