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Sempre há um conto a mais!


Bom Pastor

Elementos da narrativa

Narração é a modalidade de redação na qual conta-se um ou mais fatos que ocorreram em determinado tempo e lugar, envolvendo certos personagens reais ou imaginários.

Todo texto narrativo conta um FATO que se passa em determinado TEMPO e LUGAR. A narração só existe na medida em que há ação: esta ação é praticada pelos PERSONAGENS. Um fato, em geral, acontece por uma determinada CAUSA e desenrola-se envolvendo certas circunstâncias que o caracterizam. É necessário, portanto, mencionar o MODO como tudo aconteceu detalhadamente; isto é, de que maneira o fato ocorreu. Um acontecimento pode provocar CONSEQUÊNCIAS, as quais devem ser observadas.

Esta estrutura estará presente em todo tipo de texto narrativo, seja curto ou longo.


Bom pastor

1

A chuva se lançava ao chão desmanchando a terra naquela manhã fria. Os arbustos resistiam às pancadas da água nas frágeis folhas, jogadas pelo vento. A época era de inverno. O frio, inteiro.

O vidro embaçado pela respiração de quem observa aquele mundo através da janela. Nas mãos uma xícara do café quente, que todas as manhãs era servida por Dona Eunice. Um café que só ela sabia preparar! E os bolinhos na mesa?! Tão macios como flocos de algodão. Isso afagava a alma de qualquer vivente, mesmo daqueles que geralmente vêm de noites mal dormidas. Entretanto, já me acostumava com isto. As horas noturnas eram velhas companheiras.

De uns tempos pra cá os minutos se alongavam, as noites sem sono se multiplicavam. Senão fossem os cuidados de Dona Eunice, os frios serões teriam me consumido. Mas, ela com seu carinho aquecia-me em cafés e quitutes. Uma boa alma! Sempre se preocupando comigo. "Procure tratamento para a sua dor de cabeça" disse-me um dia. Porém, quem iria tocar pra frente o centro médico e a farmacinha do colégio? Quem iria ensinar às crianças o caminho da fé? Ensinar... nem eu mesmo sabia mais!

Naquela manhã, chovia como nunca. Lá em cima Dona Eunice estendia a cama. Cá comigo eu era um pingo escorrendo pela vidraça, por entre o vapor cristalizado no vidro. O meu corpo respirava forte; a xícara aquecia meus dedos; e, aquele pingo rasgava caminho como a chuva lá fora. A sensação que experimentava - de fazer parte da água dominando tudo e ao mesmo tempo do nada, consumindo-se numa gota - tirava da lembrança a infernal dor de cabeça.

Um estalar de palmas interrompeu a sequência dos tique-taques do relógio na parede. Custei a dar sentidos. Levantei-me e fui até a portinhola espiar.

- A benção. Seu Tonico morreu. Discurpa l’incomodá, mais é que o enterro não pode esperá, vai tê que sê agora.

- Seu Tonico... Deus o tenha! Mas, entre homem, não fique aí na chuva.

- Prefiro não. Tenho que cuidá dos aprontamento. E o sinhô seria bom í o mais de pressa, porque foi morte de afogamento já uns dia. Uma tragédia! E o morto tá se descompondo.

- Fique tranquilo! Logo, logo estarei lá.

O homem saiu correndo rua abaixo e eu fui preparar-me para o serviço; mesmo sem compreender essa estranha morte. Pus-me a caminho para a capela do cemitério. A chuva parecia não acabar. Derretia as vestes, desfigurando as pessoas. A família chorosa ao lado da carniça. O corpo todo envolto em gazes dentro do caixão. Tudo estava pronto. E o fizeram descer lentamente, enquanto eu dava as últimas palavras de sempre, enviando aquela alma à mesa do Senhor.

De repente a dor na minha cabeça parecia estourar-me. Tudo rodava e escureceu. Só lembro disso. Depois estava em uma casa de repouso mantida pela Igreja.

Sempre há um conto a mais!

Um conto há mais

Osvaldo C. de S. Andrade