O lugar era um pequeno vilarejo no interior do estado, com casas velhas do tempo da colonização. Cachorros e carroças faziam o maior trânsito das ruas. Além dos moleques de fundas na mão, o progresso da vida urbana não chegara ali, só passava por perto.
As pessoas engomadas como manhãs de domingo rodeavam a igreja, igual mariposas a um lampião. Celebrava-se um casamento.
Lá estavam os noivos, felizes e irradiando alegria. De joelhos, lado a lado pousados no altar.
A igreja levantada em pedras nos anos do Império, construção projetada ainda no estilo barroco, feita pelas mãos dos índios e colonos. Sustentava na torre o sino importado; trazido de Portugal em navio clandestino especialmente para soar no céu da pequena vila na época.
Neste momento há um casamento lá dentro. Na frente da igrejinha alguns passeavam pela praça bebendo goles de sereno. Assim como aos finais de semana, o local estava cheio de crianças e namorados, e carolas que se cumprimentavam. Era esta uma noite de festa na cidadezinha.
A vila não era muito grande, como já se percebe, mas debruçava-se à margem do rio que por ali passava, exibindo suas águas escuras. Este era e sempre foi o único acesso ao lugar. Daí se explica o grande número de caíques e outras embarcações pontuando as bordas do trapiche.
Pelas ruas em horas de sol, descem carroças num vai e vem ao porto, das fazendas e charqueadas, levando suas mercadorias; sustentando a economia local.
Com as primeiras estrelas no céu, termina o casamento. E a porta da igreja vê-se entupida de festeiros, abraçando o noivo e beijando a noiva.
Filha da terra que era, conhecida de todos que a viram nascer e crescer, tornando-se nessa esplêndida mulher. Um casamento bonito diziam todos! Porém, o noivo pouco conhecido. Veio morar ali a pouco tempo. Morava só, ele e a velha mãe numa casinha retirada da vila.
Ele era um bom rapaz - como diziam - trabalhador, inteligente; um pouco calado. Pouco se ouvia sua fala, porém, quando dizia algo, todos o admiravam. A tristeza ou a timidez também fazia parte de suas características. Mas isso não incomodava ninguém.
O amor! Ah, esse amor! Envolveu os dois num laço só. Curta temporada de namoro... e olha aí. Já estão casados.
Ela, quem não a conhecia, já disse! Bonita e amiga de todos. Sempre alegre e contagiante. A mãe, coitada, morrera no dia do parto. Foi, então, criada pela sua tia Amélia, porque o pai viajava muito. Ele trabalhava em uma chata de transportar areia. Numa de suas viagens, ocorreu o acidente com uma das máquinas. Ele nunca mais voltou. A menina tinha naquela época seis anos. A tia, irmã do pai, encarregou-se de sua criação.
Amélia carrega quarenta e seis anos nas costas e jamais pensou em casar-se. Mulher honesta e conhecedora de muitos remédios, ervas e simpatias. Tinha seus serviços a cuidar da saúde dos moradores dali. Atendia partos, curava coqueluche, bronquite, desengasgava os pescadores de suas espinhas de peixe.
Saindo da igreja, foram para a festa na casa da tia. Onde dançaram, comeram e beberam. Uma bela festa.
O casal, obviamente, despedira-se dos convidados e partiram para a casa nova, onde iriam morar.
Os dias foram passando, e ao decorrer da convivência, ela sentia distante o seu marido. Havia noites em que ele saía e só voltava com o sol nascido. O bebê que carregava era seu único motivo para estar junto do marido.
A tia foi quem fez o parto. Um menino grande. E bonito como a mãe. O que lhe preocupava eram as noites em que o marido saía. Dúvidas lhe visitavam.
Numa noite, resolveu segui-lo. Era verão. O céu claro. A lua estava se mostrando no horizonte. Seria enorme lua cheia.
- O que houve meu bem? Você parece tão nervoso.
- Não é nada! Eu não estou com fome, é só.
- Ora, meu bem, come só um pouquinho.
A mulher meiga e compreensiva é surpreendida pela brutal reação do marido.
- Já disse que não quero.
Esmurrando à mesa, levanta e sai porta a fora.
Numa primeira reação nada fez. Paralisada, ficou por instante. Porém, decidida em descobrir, pegou o bebê nos braços e saiu para seguir o marido.
Caminhou quase toda a noite, mas não o encontrou.