No princípio, Deus criou o Céu e a Terra; mas a Terra estava ainda informe e vazia dentro das Trevas, e coberta de água. E Deus disse: "faça-se a Luz". E a Luz se fez. E Deus dividiu a Luz das Trevas: esta foi a obra do primeiro dia. No segundo...
Assim, o ministro lia as Escrituras Sagradas. Celeste estava lá, sempre atenta às santas palavras. Cantava no coro e auxiliava nas celebrações.
- E, no sétimo dia, Deus descansou do seu trabalho e santificou esse dia. Neste dia santificado por Deus, nós homens, devemos esquecer as ferramentas de trabalho e dispensar os nossos empregados para o descanso, que, assim como Deus descansou, devemos, também, deixar o nosso serviço. Esta é a vontade divina. É o exemplo que o pai nos dá. Hoje, dia de Domingo, devemos parar com nossos afazeres e só retomá-lo no próximo dia, sentindo-nos mais felizes; e assim fazer render tudo aquilo em que pormos as mãos.
Enquanto havia a celebração lá dentro, na frente da igreja, com o sol no seu esplendor amanhecido, alguns passeavam pela praça namorando os ares. Todo Domingo a cena se repete: jovens e desocupados desfilam suas vaidades. Uns vão à missa, outros... aparecem. Alguns automóveis e motocicletas farão maior trânsito após a celebração.
A missa termina e a movimentação na praça se intensifica.
Um menino esquálido gritava "graxa aí, moço? Graxinha...".
- Menino! Venha aqui. (Chamou Celeste, descendo a escadaria da igreja).
- Uma graxinha aí, senhora?
- Tu viste um senhor de chapéu branco, parado naquele poste?
- Não senhora, eu não vi não.
- Eu pensei que tu terias visto, pois andas de um lado a outro da praça.
- É o seu marido?
- Não! Eu não sou casada. É o meu irmão.
Parada, onde está permaneceu. Procura com os olhos entre as pessoas que passam. O pequeno engraxate põe-se no auxílio.
- Acho que o seu irmão não tá aqui na praça não, Dona.
- Talvez ele tenha saído um pouco.
- A senhora mora muito longe?
Não houve resposta. O curto menino senta-se na sua caixa de serviços. As pessoas cumpriam o ritual festivo de sempre.
- Se tivesse um trocadinho aqui, eu te dava, mas não tenho nenhum dinheiro trocado.
- Não quero esmola não, Dona. Eu trabalho.
Um analítico olhar foi derramado na criança.
- Tu estudas?
- Não senhora, eu só trabalho.
- Tão pequeno assim e já trabalha! Onde trabalhas?
- Eu trabalho nas rua, nas porta dos bar; onde tem gente pra engraxá sapato.
- Compreendo... onde houver fregueses.
- Hum-rum.
- E é bom este trabalho?
- Hum-rum... Eles gostam de falá comigo e de ouvi minhas canção enquanto engraxo.
- Quanto cobras?
- Eu cobro o mesmo que todo mundo. A gente não pode cobrá muito caro, senão ninguém qué.
- O que tu fazes com o dinheiro que ganhas?
- Eu dô pra minha mãe. Ela trabalha em casa. Ela lava roupa pra muita gente.
- Quantos irmãos tu tens?
- Semo sete: três menino e quatro menina. Tem um que é bebê, já quase caminha.
- O que é que o teu pai faz?
- Ele é pedreiro. Constrói casa, muro, calçada. Ele tá no hospital agora.
- Coitado! Ele está doente?
- Não, senhora! Ele tá trabalhando lá.
- Então tu ajudas teu pai e tua mãe engraxando; mas não tens um par de sapatos no pé?!
- Tenho um par, sim senhora; mas é só pra dia de festa.
- Tu não sabes que dia é hoje?
- É claro que sei. Hoje é Domingo. É o melhor dia pra se trabalhá.
- Mas o Domingo não é dia de trabalho. O Domingo Deus fez pra descanso. Deus não gosta de quem trabalha no Domingo...
- Ei, Zé! Vamos passar uma graxinha?
- Licença Dona.
O menino salta em direção do freguês que o chamara.
Ela olha todos os horizontes pela última vez e descobre que a espera havia se excedido. Resolve ir para casa a pé.