Gênese da maçã é uma fantasia em que as personagens são animais. Onde o narrador faz uso da descrição dinâmica e da fala das personagens para tecer o enredo do conto. Escrever um texto não significa necessariamente relatar momentos da própria vida, mas relatar fatos da vida humana.
Por esse motivo, podemos escrever como se fosse uma outra pessoa. Nesse caso, o texto expressa a verdade como autor - nada pessoal - inventado.
A voz que fala no texto é de uma personagem criada pelo autor - o narrador. Que por sua vez vai transmitir sensações diversas. Vai conduzir o leitor por toda ação.
No início era uma maçã e, dentro desta maçã morava uma lagarta e, esta lagarta morava só.
O mundo era imenso. A comida farta (era o próprio chão, as paredes, o teto) bastava morder um pouquinho e já sentia-se satisfeita. Comia. Sonhava com nada ou com o que comia. Não havia frio nem calor. Tudo era bom e belo. Havia um perfume suave de maçã madura, uma calma e tranquilidade pelos estreitos caminhos brancos, onde passeava a lagarta nas horas de nada fazer. Quando o vento corria forte por entre as macieiras, a lagarta deitava-se num cantinho, só para ouvi-lo soprar no buraquinho que na maçã havia, para que não faltasse ar lá dentro.
Mas as maçãs estavam prontas para serem colhidas. E foram colhidas. E levadas a uma feira, onde foram colocadas à venda.
O vento não mais brincava nas folhas das árvores, mesmo porque ali não havia árvores, nem cochichava no ouvido da maçã. Só um calor que parecia a cada instante mais quente. E um cheiro de azedo.
A lagarta passou a preocupar-se e conheceu a solidão. Sentia-se muito triste. Triste por estar só. Porque não tinha ninguém para conversar.
O mundo ficou amargo. Porém a lagarta não saía de dentro da maçã.
Passaram-se longos instantes na vida de uma lagarta... Até que ela resolveu sair pelo furinho e procurar o vento.
Quando pôs a cabecinha fora da maçã, espantou-se! Ela que pensava morar na única maçã do mundo, encontrou-se agora no meio de incontáveis maçãs.
- Meu Deus! Quantos mundos...
- São maçãs.
Disse uma voz lá de cima.
- Quem é... você?!
Explicou, então, a outra, que era uma lagarta e também morava em uma maçã; mas como sabia que estava em uma feira - e meio a tantas maçãs - não resistia a tentação. Estava procurando outra para morar por mais alguns dias. Uma que fosse maior e que não tivesse lagartas.
- Com licença! Deixe-me passar. Humm! Que cheiro ruim sai da sua maçã. Procure outra meu rapaz, ela está apodrecendo.
A lagarta continuava surpresa. Ficou ali, paradinha, olhando a outra que sumia entre as frutas.
Correu um pouquinho para frente. Chamou. Pulou. Quase caiu da maçã. Por sentir-se só, tentou seguir a outra, contudo não sabia mais por onde ir.
- Acho que foi só ilusão. Não existem lagartas.
O sentimento de solidão agora era maior. Estava entre várias maçãs, mas não tinha com quem conversar.
Caminhava sobre maçãs. Subia. Descia. E tornava a subir... Assim passavam-se os instantes. Até que:
- Olá, você! Por que está tão triste?
Era uma lagartinha de olhos verdes, fotograficamente sentada num cantinho de maçã.
- Você existe mesmo?
- Eu acho que sim (Piscando os olhinhos).
Sentaram-se próximos uma da outra e conversaram sobre maçãs. As maçãs são redondas; pode-se dar a volta numa delas e chegar ao mesmo ponto de partida. Uma contou das maçãs que já conheceu. A outra falou da visão que teve.
- Não foi visão. Foi o meu irmão. Ele me deixou aqui e foi procurar uma maçã grande para morar sozinho. Eu detesto viver só. Ele diz que uma lagarta deve viver na sua própria maçã, e que duas lagartas comem muito rápido uma maçã.
- Você acha que duas lagartas...
- Acho que não! Duas lagartas vivem muito bem numa maçã.
- Bem, então...
- Então está combinado! Vamos entrar e morar aqui mesmo. Depois, com o tempo, podemos procurar uma maçã mais espaçosa.
E assim fizeram.
Passados alguns dias, já se podia ver várias lagartinhas correndo por entre as maçãs da feira.