Com a manhã ainda fria, o sereno subiu do rio, preenchendo o acampamento. Naquela época, uma nevoa fria e úmida pairava sobre este mundo durante a noite, que só ia embora quando o sol chegava. A chuva ainda não existia. Acordou primeiro porque dormia só. O frio fez com que levantasse.
A fogueira estava apagada. A umidade do sereno molhava tudo. Ele tentou reviver as brasa, mas não tinha habilidade para isto. Havia de esperar o sol aparecer para secar os gravetos. Poucos sabiam fazer um fogo dentre eles. Isto era uma arte que somente os mais velhos dominavam.
Esfregando as mãos e os braços, procurou o calor de uma árvore. Vegetal lenhoso que acolhe todo animal junto de si. Ela dá calor e proteção. Junto do seu troco, talvez pudesse encontrar esse abrigo. Sentou-se encostado nela e juntou as pernas, firmando com os braços para aquecer melhor o corpo.
O dia haveria de chegar e trazer o calor que esperava. Aguardava pelo sol, porém o que apareceu foi uma luz branca azulada no meio do rio. Ela veio lentamente até os que dormiam. Parecia que procurava por algo. Andou entre eles, sobrevoando apenas, não desceu. Rodeou o acampamento por duas vezes e foi embora.
Ele viu aquilo. Estava abrigado na árvore. A luz não percebeu sua presença ali.
Adormeceu junto daquela árvore e teve sonho saudável desta vez. Dormia tranquilo como a muito não tinha feito.
O corpo largado junto ao tronco da árvore, parecia encontrar nela o alento do filho das matas. O ser animal repousava naquele canto da floresta um pouco retirado do seu grupo.
Os outros dormiam com suas fêmeas, aquecendo-se uns aos outros. E ele distante. Mas estava satisfeito porque a luz não o levou.
Essas luzes costumam aparecer e levar um ou outro algumas vezes. Ele sabe disso. Porque muitas vezes já foi levado quando criança.
Quando o sol o acordou, os outros já estavam com seus afazeres. Uns preparavam o fogo. Outros já estavam indo. O nevoeiro ainda estava presente. Mas agora somente sobre a água. E corria baixo, levado pelo vento. Um vento fraco e descansado que lambia a superfície do rio.
Estava feita a manhã daquele dia. Todos saíram para colher frutos e raízes para seu sustento.
- Árum!
A voz do mestre o chamou. Ele estava a seu lado. Deu-lhe algo para comer. E juntos saíram para ver mais bichos e plantas.
- Olha! Vê aqueles pequenos na sombra.
Os filhotes de felinos esperavam pela comida que estava para chegar. A fêmea desses animais saem para caçar e só retorna quando consegue o alimento. Os pequenos esperam impacientes pela mãe.
- Não podemos ir até eles, porque a mãe está para chegar. E ela certamente não vai gostar de nos ver por perto.
Na floresta em que estão, os predadores se movimentam para repouso nesta hora da manhã. E é aí que outros animais procuram pelo que comer. Andam em busca de alimento sem muita preocupação, porque os bichos dali não oferecem perigo.
- Vem ver este outro aqui na margem do rio.
Era um cágado que subia para a mata. O habitat preferencial desse animal é o das florestas, junto a rios de curso lento, lagoas rasas e terrenos pantanosos. Possui patas cilíndricas e membrana entre os dedos da garra - adaptável à água e à terra. Tem a carapaça bem dura e achatada, pescoço longo. Embora acinzentado, tem predominância de verde e amarelo por todo o corpo. Alimentando-se de peixes e crustáceos. Observaram o comportamento dele até sumir na mata.
Andavam juntos pela floresta e pela savana, estudando animais e vegetais.
O mestre ensinava ao seu aluno as coisas da mata. Queria que ele soubesse de tudo um pouco. Era uma alma inocente e desprovida de conhecimento. Estava jovem e disposto a aprender.
Ele, de bichos e plantas podia compreender. Estava na vivência dele. E ouvia com atenção ao mestre.
O dia passou todo tomado com os ensinamentos. Observando o comportamento dos animais e os cheiros e gostos das plantas.
Chegado perto da noite. O sol já se deitava por entre as árvores, espichando as sombras e levantando os insetos do campo.
- Todos têm uma fêmea pra dormir juntos. Árum não tem.
- Calma meu precioso lírio. Sei que está chegando a idade. Mas tudo tem o seu tempo.
O mestre passou a mão sobre a cabeça dele, como um gesto de carinho e compreensão. Travava com ele uma relação paternal.
Levou-o de volta ao seu grupo.
O acampamento tinha uma grande fogueira no centro. Isto além de aquecer nas noites frias, trazia proteção contra os predadores da selva.
O grupo dele era muito alegre e festivo. Dançaram e cantaram em torno da fogueira, pela noite até o sono chegar.
Nesta noite, a luz branca azulada voltou. Sobrevoou o grupo e foi embora sem nada fazer. Parece que observava o comportamento do grupo enquanto dormiam. Essas luzes sempre trazem situações para serem resolvidas.
Noutro dia, acordaram com os macacos da savana atacando o grupo. Esses animais gritavam e mordiam tudo que passava na frente.
Feras de grandes e afiados dentes traziam pânico a todos.
A única salvação era o rio. Todos que puderam escapar, entraram lá. Os macacos temiam a água e não podiam pegá-los. Dentro do rio, por algum tempo permaneceram.
Aos gritos, o animais foram embora, levando os pedaços dos mortos.
Não poderiam permanecer mais naquele local. Tinham de partir. E foram!
Seguiram rio acima, pela outra margem. Não seriam mais atacados por aquele bando.
Os dias passavam e o mestre sempre vinha conversar com Árum. Caminhavam juntos pela mata. Trazia aquele o conhecimento de ervas e frutas. Mostrava as que curavam, as que tinham veneno.
Separava-lhe o que podia comer e o que não deveria levar à boca.
Ele aprendia com facilidade tudo que lhe era ensinado. Tinha interesse em aprender coisas. E isso alegrava muito ao mestre, que lhe trazia mais ensinamento. Pois, todo mestre sente prazer na aprendizagem de seu pupilo.
De tudo poderia desfrutar naquele lugar. Tudo que estava ali lhe era permitido tomar.
Os frutos, as ervas, os peixes do rio, tudo lhe dava alimento. Este novo lugar parecia mais agradável de conviver. Estavam no paraíso e isto trazia prazer ao grupo.
A outra margem do rio trouxe-lhes proteção.