As sombras esticadas pela primeira luz nas casas cruzavam a calçada, donde se ouvia um pipocar dos pés de alguém que atendia ao chamado do sino. Desta forma, todas as manhãs de domingo, despertavam.
A casa guardava, ainda no leito, entre cobertores, retorcendo-se em últimos bocejos o corpo jovem que fingia dormir. Esperava ser acordado como costumeiramente. Rotina que não seria quebrada principalmente hoje. Questão de tempo... Só esperar.
As outras pessoas da casa encontravam-se de pé. A conversa vinda da cozinha denunciava isso.
Num instante repentino, o cunhado invade o quarto, removendo panos e travesseiros. Braços e pernas são confusos numa luta de amigos; rasgando altas gargalhadas.
Entre os risos e movimentos num ambiente semiescuro, a irmã aparece.
- Vamos, parem com isso... o café já está na mesa.
- Maninha! Hoje eu estou muito feliz. E o dia como está lá fora? Não responde. Deixa eu adivinhar. O sol brilhando forte... pássaros e borboletas no ar...
- Deixa de bobagens, Augusto! (Intervém ela às chulices do irmão) Levanta rápido. Para quem ia levantar às seis horas, já está muito atrasado.
- É, cara! (Diz o outro) Vai tomar teu banho, e vê se não demora muito.
À mesa o café. A família: avó sentada à cabeceira da velha mesa de louro coberta por fina toalha de linho branco; de um lado o pai e provavelmente a tia, não fosse o compromisso com a igreja; do outro lado a filha trocando gentilezas com o apaixonado marido.
Entre os minutos marcados pelo relógio da parede, Augusto aparece perguntando por peças de roupa para vestir. O envaidecido rapaz vinha várias vezes à cozinha, com uma toalha presa na cintura. Exibe um peito inflado diante do espelho do corredor, que sempre foi espectador de inúmeras consultas. O exército não o quis, porém a vontade de servir às forças estava sempre presente.
Ao terminar do banho, volta perguntando pela hora.
- Augusto, vai te pentear no banheiro. Está molhando todo o chão (Diz a irmã).
- Olhe só a força destes músculos!
- Um verdadeiro Hércules! (Diz o cunhado através de um curto sorrir).
- Não! Não... Agarra aqui no meu braço...
A vó, que não deixa escapar uma advertência, reclama em alta voz:
- Volta já pro banheiro e vai te secar. Veste uma roupa pra tomar o café.
Uma ordem obedecida sem resistência.
O pai, todavia, orgulhoso do filho que tem, não deixa passar a oportunidade para tecer elogios.
- Ele tem um corpo bem formado. Não é por ser meu filho, mas é um homenzinho que deixa muita guria com água na boca.
- Pai coruja! (Diz o cunhado entre um gole de café e um pedaço de pão).
Minutos a mais, o rapaz retorna.
- Vê se desta vez não derrama o leite na toalha, ela está limpinha.
- Tá vó, fica tranquila.
- Não fica nervosa! (Diz entre dentes o cunhado).
Embora o rapaz se mostrasse cuidadoso com os objetos da mesa, deixou pingar na alva toalha algumas gotas de café.
- Miserável! Tu não toma jeito mesmo. Olha o que fez.
- Ora, mamãe! (Intervém o pai) Não se zangue por isso. A euforia dele é porque vai acampar.
- É! Vão se divertir, enquanto aqui em casa ainda tem muito trabalho a fazer.
- Vó! Eu já falei com o Bem e assim que voltarem, a grama será aparada. É prometido!
- É, vozinha! E vamos pintar o muro.
A velha parece que responde com um som gutural, arrancado com possível dúvida.
- Ora, vó! O Bem e o Augusto vêm planejando esse acampamento a muito tempo. É esse o motivo de tanta alegria; a senhora sabe que o mano não sai de casa há muito.
Depois do familiar café, põem as mochilas nas costas e querem partir.
- Onde está a tia?
- Onde poderia estar? Na igreja. Ela não pode ouvir aquele sino que já tem de ir. Não sei em que errei quando criei esses dois. Vê o teu pai, é o oposto da tua tia, nem sequer acredita em Deus. Só procura os amigos do bar.
- Mamãe! Não vamos falar sobre isso agora. Vão! Vão e divirtam-se.
A vó pergunta à neta porquê não vai junto com o marido e o irmão. - Pensei que tu fosse.
- Eu prefiro não ir desta vez, eles vão muito longe.
Os dois partem espichando acenos até a esquina, enquanto frente a casa ficam os outros respondendo aos sinais.