- Vem! Podes entrar.
Apreensivo ou temeroso estava ele diante da porta. Afinal, seria a primeira vez em que é admitido ali.
Acenava com a mão para que entrasse. Um mostrava-se generoso com o convite. Outro, embora lisonjeado, desconfiava de algo. Fora feito para ser dócil e prestativo, mas havia nele uma dose de desconfiança que o deixava apreensivo.
- Já disse, vem. Podes entrar. Não fiques aí só olhando. Fui eu mesmo quem te trouxe até aqui. Entra!
O lugar era estranho para quem nunca havia estado ali. Uma abertura surgiu, sem que ninguém tocasse. Não havia nada, somente aquela porta que mostrava lá dentro. Do interior, vinha uma iluminação muito forte. Diferente do que estava acostumado. Era algo que parecia não existir. Não estava ali. O piso era liso e branco. Uma brancura que nunca passou por seus olhos. Havia luzes coloridas que piscavam pela parede toda. Pelo menos, é o que lhe parecia.
Coisa inacreditável. Jamais tinha visto algo igual. Parecia um daqueles sonhos que costumava ter. Era um pouco frio lá dentro. Isto assustava! Mas entrou.
- Olha! Sei que é a primeira vez que vens aqui. Mas fica tranquilo. Não vai acontecer nada de mal contigo. Eu só quero que saibas que isto existe.
Concordou, lentamente com a cabeça, em movimentos cuidadosos. Não queria demonstrar espanto. Embora estivesse com o coração muito agitado. E a respiração tinha que controlar. Não podia ficar ansioso diante do que estava acontecendo. Respirou fundo e foi em frente.
Segurava as mãos como se tivesse medo de quebrar os objetos dali, que pareciam cristais, não só pelo brilho, mas também pela transparência. Caminhou um pouco mais para dentro. Olhou em volta. E, virando o olhar para o anfitrião, disse:
- Por que me trouxe aqui?
- Ora! Veja só. Que maravilha. Tu consegues fazer uma pergunta. É isto mesmo que eu esperava de ti.
Não havia ninguém ali. Somente os dois. Não tinha, então, motivo para ter medo. Ele era forte e sabia se defender de qualquer fera. Não temia uma luta corporal, se fosse necessário. O outro era franzino. Bem mais fraco do que ele.
A curiosidade já fazia parte dele. Estava na programação por gerações. É assim que ele fora construído. Porém mantinha-se paralisado diante do que via. Estava junto de coisas que não entendia o que eram e muito menos seu funcionamento. Objetos transparentes e até mesmo coloridos. Havia outros que se moviam sozinhos pela sala.
Era tudo estranho ao seu entendimento. Olhava apenas. E permaneceu imóvel por alguns instantes.
Trouxera-lhe uma cadeira para sentar. Uma cadeira que deslisava no chão. Uma cadeira nunca tinha visto; e deslisante... Nem pensar!
Olhou o objeto um pouco receoso. Firmou o olhar demoradamente naquilo. Não sabia o que poderia ser a coisa. Tocou cuidadosamente com a ponta do dedo. E a cadeira moveu-se, deslisando suavemente um pouco sobre a superfície do piso.
Levantou seu olhar para o outro que observava os detalhes daquele contato. Aquele olhar era uma pergunta como “o que aconteceu com isto”.
O outro sorriu. E disse:
- Não tenhas medo. Faz como eu.
Sentou-se diante dele noutra cadeira. E ele também sentou.
- Ah! Isto é bom.
- Eu sabia que tu eras diferente. Tu podes compreender tudo com facilidade. É só ensinar!
Ele olhou para as luzes da parede. Elas não estavam só nas paredes. Elas estavam sobre mesas e balcões. Eram painéis de controle, que administravam diversos setores. No entanto, ele ainda não poderia compreender.
Estava ali, admirado com o que via, enquanto era observado. Ele era a peça da pesquisa. Era o objeto da análise. O experimento do projeto. E este estudo ainda se prolongaria, até o final da tarde.
Lá fora estava o sol, que ele conhecia muito bem seu calor e luminosidade. E ali dentro eles. A porta aberta. Mas não pretendia sair do frescor em que estava, para enfrentar o calor da rua.
Alguns exames lhe foram feitos. Pressão, oxigenação, uma gotinha de sangue tirada do dedo, uma leitura celular de tecido. Foi medido e pesado. Olhos e garganta. Força e reflexo. Estava saudável.
- Tu estás perfeito!
- Isto é bom?
- Sim! Tu questionas. Isto é muito bom. Encontrei um espécime apropriado ao meu propósito.
Deixou que ele caminhasse por dentro da sala. Ficou só observando o seu comportamento. Ele andava cuidadosamente entre os objetos e olhava-os atentamente, procurando entender o que via. Uma criança dentro de um museu era menos curiosa que ele. O outro digitava suas notas num aparelho sobre a palma da mão.
A curiosidade do observado o trouxe até este aparelho. E estendeu a mão para tocá-lo.
O outro deu-lhe para ver.
Ficou surpreso quando viu seu rosto refletido naquilo.
- Viste? És tu.
Olhou-se demoradamente e devolveu.
O outro lhe disse que o estudo terminou. E que deveria voltar aos seus, antes que dessem por sua falta.
Foi para a família, pensando que havia sonhado com aquilo. Pois, quando criança levavam para brincar com joguinhos. Ele desenhava, pintava, cortava papel…
Sempre teve sonhos com eles. Aprendia fazer coisas que não existiam entre os seus. Foi uma criança esperta e feliz. Era diferente das demais do seu grupo, porém isso não o incomodava.
Resolvia problemas em situação de caça com mais facilidade do que os seus parceiros. Rápido e preciso no que fazia. Tinha muita habilidade.
Os sonhos passavam-se em ambientes brancos e nublados. Nunca havia ocorrido dentro daquilo. Foi uma situação bem diferente. Era real. Ou era mais um sonho?
Os pensamentos não o largavam. Em tudo que via pelo caminho, lembrava algo que já se passara com ele. Caminhava pelos arbustos do campo, indo embora.
A mata estava mais vibrante. Parecia aos seus olhos. O verde das árvores e do campo estavam mais verdes. Tinha a impressão de que via melhor tudo aquilo. E caminhava contente com o que tinha visto lá dentro.
Chegava próximo do rio. E os parceiros estavam a beber água. Também sentiu sede. Foi à margem e abaixou-se para apanhar um pouco de água com as mãos.
Observou ao seu lado os demais. Mordiam a água que corria pelo rio como os animais da planície. Percebeu que fazia isto de forma diferente deles. Não buscava a água com a boca, trazia ela com as mãos até os lábios.
Começou a pensar. Sentiu solidão junto deles. Veio a necessidade de saber mais. Tudo rápido chegava até ele, como o fogo destruindo a madeira velha. Passou a perceber que o seu grupo tinha comportamento semelhante aos animais da planície. Caminhava na escuridão e a luz se fez.
Aquela coisa cheia de luzes que se abriu do nada, para ele entrar hoje mais cedo, despertou nele a atenção do que lhe rodeia.
À tardinha, quando o sol se deitava para dormir, ele sentou-se numa pedra para apreciar aquela magia. O dourado que se deitava sobre as folhas das árvores na margem do rio. A gritaria dos passarinhos próximos disputando um lugar nos galhos.
Percebia a beleza da qual também fazia parte. Era um dentre tudo que havia. Passou a existir.
Quando a noite chegou, ele estava próximo ao fogo. Observava os outros, como o seu tutor fez para com ele hoje mesmo. Analisava os movimentos que faziam em torno da fogueira. E a luz que pintava seus corpos na escuridão da noite.
Cantavam e dançavam em torno do fogo. Ali havia um calor que aquecia as noites frias que às vezes fazia. Nem toda noite era fria. Ele pensava sobre isto. Tinham noites quentes, em que dormia mal devido ao calor. Ou passava acordado, cuidando dos que dormiam.
As estrelas no céu! Ah! Elas estavam lá. Pingava de luz a escuridão enquanto ele guardava os outros.
Procurou um canto acolhedor para descansar do dia que teve. Os olhos fecharam-se buscando um sonho que pudesse explicar o que havia acontecido com ele. Coisas que não entendia, passaram a sua frente, e ele precisa saber.
Buscava por compreensão. Mas, não sabia coisa alguma daquele fato. A realidade dele não trazia os elementos necessários para isto.
O sono não queria chegar. Brigava com ele. Entretanto, por insistência, o véu da eternidade abriu. E ele dorme. O estralar das brasa da fogueira, a cantoria e a dança trouxeram o sossego que buscava.
Assim foi aquele primeiro dia.